por Karina Vieira
Foto: acervo pessoal |
Erika Candido é
amor. Mais que amor. Erika é potência combinada com querência, com fome de
fazer. E faz. Ela é produtora de 3 filmes que quebraram a hegemonia branca do
cinema brasileiro: Kbela, Elekô e Quijaua. Isso é querer e, junto com uma equipe
incrível, fazer. Essa é Erika Candido, mulher preta referência.
MBP - Quem é você?
Erika Candido - Meu nome é Erika Candido, preta, mãe do maravilhoso Gael, filha de Eliane
Candido e Paulo Marinho, nascida na zona norte do Rio de Janeiro, integrante do coletivo Mulheres de Pedra, produtora
audiovisual, mas que já atuou na produção de teatro e da música e que acredita
que a arte é transformadora! Me defino como uma mulher preta guerreira, que
atua em vários projetos pessoais e profissionais para dar conta do
desenvolvimento do meu filho, sonhadora, e que está na luta para construção de
novos caminhos.
MBP - Como se deu a descoberta da sua negritude?
EC - Me descobri em quanto negra quando passei a enxergar mulheres negras incríveis
que não tentavam se esconder para se encaixar nos padrões impostos pela
sociedade. Mulheres que se apresentavam ao mundo simplesmente pelo que eram e
não pelo que precisavam ser. Mulheres de Pedra foi crucial nesse caminho,
aquele quintal, aquelas mulheres... nossa, é puro amor! Mas também poder
realizar obras audiovisuais que me colocavam em confronto com minhas dores,
anseios, lembranças e provocações ancestrais, foi uma reviravolta na vida. Nem
sei dizer bem o que foi tudo isso, mal conseguia falar sobre, mas foi um
momento muito difícil, na verdade ainda é difícil, a caminhada é árdua, de
muita luta, fortes dores, mas também de importantes vivências e grandes
realizações coletivas. Sinto cada dia
mais a necessidade de seguir nessa caminhada lutando por dignidade para o povo
preto, por espaço, por possibilidade, por sonhos e por menos estatísticas
negativas.
Cara, meu filho
precisa poder sonhar e ter acesso a possibilidades de realizações.
MBP - O que te levou a escolher a sua profissão?
EC - Sempre quis fazer algo que que eu pudesse me comunicar. Quando jovem não sabia
muito bem o que era, não tinha tanto conhecimento das possibilidades e escolhi
o jornalismo como um caminho dessa estrada. Depois de um tempo estudando comunicação,
percebi que esse ato de comunicar pra mim não seria tão óbvio assim, pois eu
tinha uma proximidade muito grande com as artes e fui buscar esse comunicar
pela arte e entender como seria isso.
Como eu ia falar
com as pessoas sem estar nos palcos ou diante das câmeras? Fui viver
experiências fora da faculdade, fui buscar ferramentas que pudessem me abrir
esse caminho e foi durante essas buscas que descobri que existia uma galera que
estava nos bastidores e que também fazia parte do show! Descobri que produzir
uma obra é uma das coisas mais incríveis da vida. Que construir, desenrolar, se
envolver no processo de realização é o que me faz feliz profissionalmente e
pessoalmente. Ver o público vidrado numa parada que me dediquei para fazer acontecer,
me faz chorar, me emocionar com que produzo é meu combustível para seguir esse
caminho. Não consigo
descrever o que sinto ao saber que a arte que produzo gera diálogo, reflexão,
reconhecimento, empoderamento e amor.
MBP - Como foi o caminho da sua graduação?
EC - O caminho da minha graduação não foi nada diferente da maioria dos jovens
negros. Trabalhei para pagar minha faculdade, tranquei em vários momentos por
falta de grana, por falta de tempo, pois precisava trabalhar. Faltando pouco
tempo para concluir o curso, consegui uma bolsa na faculdade por ser integrante
de um projeto social, mas mesmo assim precisei trancar para dar conta da rotina
de trabalho. Terminei meu curso com período maior do que levaria se tivesse
tido mais conforto e tranquilidade para ser feito, mas nada disso diminui o meu
orgulho de ter conseguido terminar minha graduação. Digo isso não só pelo que representaria
para minha vida profissional e social, mas também por ter conseguido dar a
alegria pros meus pais de dizerem “Minha filha se formou!”. Eles são muito
merecedores disso.
Foto: acervo pessoal |
MBP - Quem são as pretas e pretos que te
inspiram?
EC - Minha mãe que muitas vezes não entende muito sobre meus pedidos, meus sonhos,
mas embarca da mesma forma por acreditar que é algo que vai me fazer feliz.
Minha vó por todas as conversas que tínhamos quando jovem, por ter acreditado
tanto nas minhas ansiedades e que hoje tão tomando formas tão lindas. Monique
Rocco por ser tão presente em minha vida todos esses anos, e ter me levado de
encontro ao coletivo Mulheres de Pedra, e que hoje não me vejo mais longe de
toda a vivência e amor que esse coletivo me proporciona. Todas as Mulheres de
Pedra, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Sil Bahia, Karina Vieira,
Dandara Raimundo, Isabel Zua, Regina Celi (minha rainha dos dreads), as minas
do Afrofunk, e tantas outras mulheres pretas, fortes, guerreiras e incríveis que
me inspiram diariamente e que não me lembrei de colocar aqui. Já sobre os
pretos destaco meu avô que foi o velho mais gente boa que conheci em toda minha
vida e nos deixou meses atrás mas com a certeza de que sua memória será mantida
pra sempre em nossos corações. Meu pai com sua incrível parceria. Meus irmãos. Meu
pequeno grande Gael que diariamente me ensina, me mostra um amor incondicional
e incríveis ensinamentos. E os amigos Anderson Xucka e Bruno F. Duarte com seus
corações e fazeres maravilhosos. Certamente esqueci de vários nomes, pois sou
péssima nisso! (risos)
MBP - Quem é aquela mulher preta que você conhece
e quer que o mundo conheça também?
EC - Eu queria que o mundo conhecesse muitas mulheres pretas incríveis que eu tenho
a honra de conhecer e de serem presentes em minha vida. Mas de verdade, eu
gostaria que o mundo conhecesse minha mãe! Uma mulher preta, guerreirona,
nascida na década de 50 em Vicente de Carvalho, na zona norte do Rio e que durante
os anos 70 se formou em comunicação. Poxa, minha mãe se formou numa época em
que frequentar academia para alguém na condição dela era quase impossível!!!! Claro
que hoje temos muito que caminhar, em muitos espaços essa condição não mudou.
Mas eu vejo com muito orgulho essa conquista, pois foi lá e venceu as
estatísticas da época! Isso é lindo demais! Quero que o mundo conheça a mulher que
acredita em muitos dos meus sonhos, mesmo não confiando tanto em alguns
momentos! (risos)
Discordamos em
vários pensamentos, e eu estou aprendendo a aceitar com mais naturalidade, já
que pertencemos a gerações diferentes. Essa abertura ao diálogo tem me levado a
pensar sobre tolerância, a questionar meu comportamento enquanto mulher, filha
e mãe. Ela é muito sinistra, atua em várias frentes na vida... tá sempre
disposta a ajudar o próximo.
Eu também queria
que todo mundo conhecesse o rango dela, é sensacional! (risos)
MBP - Na sua trajetória profissional o quanto
avançamos e o que ainda temos que avançar?
EC - Acho que estamos caminhando, nos fortalecendo, dialogando, produzindo conteúdos
que nos fazem refletir enquanto mulheres negras, mas temos ainda um longo
caminho de luta e resistência a trilhar. Como produtora audiovisual dividi
pouquíssimos sets com outras mulheres negras, seja ocupando a mesma posição,
dialogando sob o mesmo fazer ou até mesmo em outras categorias da cadeia
audiovisual. Temos muitos falando sobre nossas vivências, culturas, dores e
amores, mas nós não estamos nos lugares que queremos e merecemos para
protagonizar nossas histórias. Não temos ainda acesso necessário às
ferramentas, então somos legitimados a objetos de estudo e quase nunca a
protagonistas. Mas eu vejo um movimento muito grande em prol dessa mudança, com
cursos em algumas comunidades, equipamento chegando em outras, as pretas tendo espaços
de fala, articulações e reflexões. Mas o mercado ainda não é representado por
nós e não estamos inseridas nele como deveríamos. Claro que seguiremos na luta,
pois vai ter preta realizando, construindo e formando parte do mercado
audiovisual sim, sociedade!
MBP - Como você lida com a sua estética negra?
EC - De uns anos pra cá adotei os dreads e pretendo ficar bastante tempo com eles. Cuido
com produtos naturais como pomadas, sabonetes, e até perfumes. São essências
maravilhosas!! Tenho ousado nos turbantes... tenho feito uns bem legais! Sobre
a pele não faço absolutamente nada, só quando tenho algum evento babadeiro,
passo uma maquiagem bem leve e nada mais. Uso roupas que me deixam confortável
e tento sempre fortalecer as irmãs que estão na luta com sua arte. Elas sempre
arrasam nas roupas e acessórios.
MBP - Umas das palavras mais em voga no momento é
representatividade. O que é representatividade pra você?
EC - Representatividade pra mim é olhar para um espaço cheio de pretas e pretos e querer
saber o que tá acontecendo, pois sempre quero me misturar com meu povo. É pegar
um transporte público e encontrar uma mina preta de turbante e nos cumprimentarmos
sem nunca termos nos vistos. É chegar nos espaços e ver que tem preto fazendo
tudo, ocupando outros setores além daqueles que já somos pré destinados. É
caminhar pelas ruas e ver que o povo preto tá colocando a cara no sol e dando
nome e sobrenome pela pista com muito trabalho, dedicação e amor em seus
fazeres. Tem preta podendo sonhar e realizar, isso é muita representatividade.
Conheça os filmes produzidos pela Erika Candido: www.afroflix.com.br
Conheça os filmes produzidos pela Erika Candido: www.afroflix.com.br
Adoro tua pretinhosidade...
ResponderExcluirPreta que faz!
Bjos.
Ro Rasta.
Adoro tua pretinhosidade...
ResponderExcluirPreta que faz!
Bjos.
Ro Rasta.