MULHERES PRETAS QUE MOVIMENTAM #7 - ERIKA CANDIDO

por Karina Vieira

Foto: acervo pessoal

      Erika Candido é amor. Mais que amor. Erika é potência combinada com querência, com fome de fazer. E faz. Ela é produtora de 3 filmes que quebraram a hegemonia branca do cinema brasileiro: Kbela, Elekô e Quijaua. Isso é querer e, junto com uma equipe incrível, fazer. Essa é Erika Candido, mulher preta referência.

MBP - Quem é você? 
Erika Candido - Meu nome é Erika Candido, preta, mãe do maravilhoso Gael, filha de Eliane Candido e Paulo Marinho, nascida na zona norte do Rio de Janeiro, integrante do coletivo Mulheres de Pedra, produtora audiovisual, mas que já atuou na produção de teatro e da música e que acredita que a arte é transformadora! Me defino como uma mulher preta guerreira, que atua em vários projetos pessoais e profissionais para dar conta do desenvolvimento do meu filho, sonhadora, e que está na luta para construção de novos caminhos.

MBP - Como se deu a descoberta da sua negritude?
EC - Me descobri em quanto negra quando passei a enxergar mulheres negras incríveis que não tentavam se esconder para se encaixar nos padrões impostos pela sociedade. Mulheres que se apresentavam ao mundo simplesmente pelo que eram e não pelo que precisavam ser. Mulheres de Pedra foi crucial nesse caminho, aquele quintal, aquelas mulheres... nossa, é puro amor! Mas também poder realizar obras audiovisuais que me colocavam em confronto com minhas dores, anseios, lembranças e provocações ancestrais, foi uma reviravolta na vida. Nem sei dizer bem o que foi tudo isso, mal conseguia falar sobre, mas foi um momento muito difícil, na verdade ainda é difícil, a caminhada é árdua, de muita luta, fortes dores, mas também de importantes vivências e grandes realizações coletivas. Sinto cada dia mais a necessidade de seguir nessa caminhada lutando por dignidade para o povo preto, por espaço, por possibilidade, por sonhos e por menos estatísticas negativas.
Cara, meu filho precisa poder sonhar e ter acesso a possibilidades de realizações.

MBP - O que te levou a escolher a sua profissão? 
EC - Sempre quis fazer algo que que eu pudesse me comunicar. Quando jovem não sabia muito bem o que era, não tinha tanto conhecimento das possibilidades e escolhi o jornalismo como um caminho dessa estrada. Depois de um tempo estudando comunicação, percebi que esse ato de comunicar pra mim não seria tão óbvio assim, pois eu tinha uma proximidade muito grande com as artes e fui buscar esse comunicar pela arte e entender como seria isso.
Como eu ia falar com as pessoas sem estar nos palcos ou diante das câmeras? Fui viver experiências fora da faculdade, fui buscar ferramentas que pudessem me abrir esse caminho e foi durante essas buscas que descobri que existia uma galera que estava nos bastidores e que também fazia parte do show! Descobri que produzir uma obra é uma das coisas mais incríveis da vida. Que construir, desenrolar, se envolver no processo de realização é o que me faz feliz profissionalmente e pessoalmente. Ver o público vidrado numa parada que me dediquei para fazer acontecer, me faz chorar, me emocionar com que produzo é meu combustível para seguir esse caminho. Não consigo descrever o que sinto ao saber que a arte que produzo gera diálogo, reflexão, reconhecimento, empoderamento e amor.

MBP - Como foi o caminho da sua graduação?
EC - O caminho da minha graduação não foi nada diferente da maioria dos jovens negros. Trabalhei para pagar minha faculdade, tranquei em vários momentos por falta de grana, por falta de tempo, pois precisava trabalhar. Faltando pouco tempo para concluir o curso, consegui uma bolsa na faculdade por ser integrante de um projeto social, mas mesmo assim precisei trancar para dar conta da rotina de trabalho. Terminei meu curso com período maior do que levaria se tivesse tido mais conforto e tranquilidade para ser feito, mas nada disso diminui o meu orgulho de ter conseguido terminar minha graduação. Digo isso não só pelo que representaria para minha vida profissional e social, mas também por ter conseguido dar a alegria pros meus pais de dizerem “Minha filha se formou!”. Eles são muito merecedores disso.

Foto: acervo pessoal
MBP - Quem são as pretas e pretos que te inspiram? 
EC - Minha mãe que muitas vezes não entende muito sobre meus pedidos, meus sonhos, mas embarca da mesma forma por acreditar que é algo que vai me fazer feliz. Minha vó por todas as conversas que tínhamos quando jovem, por ter acreditado tanto nas minhas ansiedades e que hoje tão tomando formas tão lindas. Monique Rocco por ser tão presente em minha vida todos esses anos, e ter me levado de encontro ao coletivo Mulheres de Pedra, e que hoje não me vejo mais longe de toda a vivência e amor que esse coletivo me proporciona. Todas as Mulheres de Pedra, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Sil Bahia, Karina Vieira, Dandara Raimundo, Isabel Zua, Regina Celi (minha rainha dos dreads), as minas do Afrofunk, e tantas outras mulheres pretas, fortes, guerreiras e incríveis que me inspiram diariamente e que não me lembrei de colocar aqui. Já sobre os pretos destaco meu avô que foi o velho mais gente boa que conheci em toda minha vida e nos deixou meses atrás mas com a certeza de que sua memória será mantida pra sempre em nossos corações. Meu pai com sua incrível parceria. Meus irmãos. Meu pequeno grande Gael que diariamente me ensina, me mostra um amor incondicional e incríveis ensinamentos. E os amigos Anderson Xucka e Bruno F. Duarte com seus corações e fazeres maravilhosos. Certamente esqueci de vários nomes, pois sou péssima nisso! (risos)

MBP - Quem é aquela mulher preta que você conhece e quer que o mundo conheça também?
EC - Eu queria que o mundo conhecesse muitas mulheres pretas incríveis que eu tenho a honra de conhecer e de serem presentes em minha vida. Mas de verdade, eu gostaria que o mundo conhecesse minha mãe! Uma mulher preta, guerreirona, nascida na década de 50 em Vicente de Carvalho, na zona norte do Rio e que durante os anos 70 se formou em comunicação. Poxa, minha mãe se formou numa época em que frequentar academia para alguém na condição dela era quase impossível!!!! Claro que hoje temos muito que caminhar, em muitos espaços essa condição não mudou. Mas eu vejo com muito orgulho essa conquista, pois foi lá e venceu as estatísticas da época! Isso é lindo demais! Quero que o mundo conheça a mulher que acredita em muitos dos meus sonhos, mesmo não confiando tanto em alguns momentos! (risos)
Discordamos em vários pensamentos, e eu estou aprendendo a aceitar com mais naturalidade, já que pertencemos a gerações diferentes. Essa abertura ao diálogo tem me levado a pensar sobre tolerância, a questionar meu comportamento enquanto mulher, filha e mãe. Ela é muito sinistra, atua em várias frentes na vida... tá sempre disposta a ajudar o próximo.
Eu também queria que todo mundo conhecesse o rango dela, é sensacional! (risos)

MBP - Na sua trajetória profissional o quanto avançamos e o que ainda temos que avançar?
EC - Acho que estamos caminhando, nos fortalecendo, dialogando, produzindo conteúdos que nos fazem refletir enquanto mulheres negras, mas temos ainda um longo caminho de luta e resistência a trilhar. Como produtora audiovisual dividi pouquíssimos sets com outras mulheres negras, seja ocupando a mesma posição, dialogando sob o mesmo fazer ou até mesmo em outras categorias da cadeia audiovisual. Temos muitos falando sobre nossas vivências, culturas, dores e amores, mas nós não estamos nos lugares que queremos e merecemos para protagonizar nossas histórias. Não temos ainda acesso necessário às ferramentas, então somos legitimados a objetos de estudo e quase nunca a protagonistas. Mas eu vejo um movimento muito grande em prol dessa mudança, com cursos em algumas comunidades, equipamento chegando em outras, as pretas tendo espaços de fala, articulações e reflexões. Mas o mercado ainda não é representado por nós e não estamos inseridas nele como deveríamos. Claro que seguiremos na luta, pois vai ter preta realizando, construindo e formando parte do mercado audiovisual sim, sociedade!

MBP - Como você lida com a sua estética negra?
EC - De uns anos pra cá adotei os dreads e pretendo ficar bastante tempo com eles. Cuido com produtos naturais como pomadas, sabonetes, e até perfumes. São essências maravilhosas!! Tenho ousado nos turbantes... tenho feito uns bem legais! Sobre a pele não faço absolutamente nada, só quando tenho algum evento babadeiro, passo uma maquiagem bem leve e nada mais. Uso roupas que me deixam confortável e tento sempre fortalecer as irmãs que estão na luta com sua arte. Elas sempre arrasam nas roupas e acessórios.


MBP - Umas das palavras mais em voga no momento é representatividade. O que é representatividade pra você?
EC - Representatividade pra mim é olhar para um espaço cheio de pretas e pretos e querer saber o que tá acontecendo, pois sempre quero me misturar com meu povo. É pegar um transporte público e encontrar uma mina preta de turbante e nos cumprimentarmos sem nunca termos nos vistos. É chegar nos espaços e ver que tem preto fazendo tudo, ocupando outros setores além daqueles que já somos pré destinados. É caminhar pelas ruas e ver que o povo preto tá colocando a cara no sol e dando nome e sobrenome pela pista com muito trabalho, dedicação e amor em seus fazeres. Tem preta podendo sonhar e realizar, isso é muita representatividade.

Conheça os filmes produzidos pela Erika Candido: www.afroflix.com.br

This entry was posted on 14/07/2016 and is filed under ,,,. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

2 Responses to “MULHERES PRETAS QUE MOVIMENTAM #7 - ERIKA CANDIDO”

  1. Adoro tua pretinhosidade...
    Preta que faz!
    Bjos.
    Ro Rasta.

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  2. Adoro tua pretinhosidade...
    Preta que faz!
    Bjos.
    Ro Rasta.

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