por Grupo de Trabalho Moda e Beleza
Fotos: Acervo pessoal |
Desde sempre compartilhamos depoimentos sobre o processo de transição. É importante pra gente repassar exemplos de descoberta, de liberdade. Isso inspira, motiva e mais que tudo: mostra que é possível reposicionar o conceito já conhecido sobre a beleza de quem somos através de nossos traços, nossas pigmentações, nossas texturas no cabelo e por aí vai.
Hoje temos o prazer de receber a Thaynara Araujo. Ela vai contar a experiência de transição (e inspirar pra caramba!). A casa está aberta pra todas que quiserem fazer o mesmo. Use a hashtag #falandodetransição, mande email pra blogmbp@gmail.com, entre em contato com uma das integrantes do Coletivo Meninas Black Power... Enfim, use esse espaço. É nosso, é seu. Agora aproveite a ideia da Thaynara e vá lá se conhecer. Beijos!
"Enquanto
mulheres e meninas negras, somos submetidas, todos os dias a um padrão imposto pela sociedade que não nos contempla. Querem que disfarcemos
nossos traços, nossa cor e, principalmente, nossos cabelos. Essa imposição
começa desde a mais tenra idade, na pré-escola. Na mídia, há pouquíssimo espaço para
representação. Na escola, somos chamadas das maiores atrocidades possíveis e
assim por diante. Comigo não foi
diferente. Aos três anos, fui submetida ao mundo do 'relaxamento capilar' pela
minha mãe. Numa realidade muito comum à mulher negra, ela
trabalhava em três turnos e não tinha tempo para cuidar de um cabelo tão
volumoso e 'trabalhoso' quanto o meu. Assim, fui apresentada à guanidina, que
usei por longos anos. Durante toda minha infância e adolescência passei pelos
mais variados tipos de 'relaxamento': guanidina, lítio, tioglicolato e também
por outros tipos de química, como o henê indiano. Tudo com o mesmo objetivo:
tornar meu cabelo mais 'maleável', de forma que fosse aceito pelos padrões
estéticos da sociedade. Aos quinze anos,
conheci o que foi pra mim a realização de um sonho na época: a progressiva. Ela
seria o fim de todos os meus problemas, já que prometia o resultado sempre
tão buscado num cabelo liso, sem volume, sem frizz. Isso significava que eu
poderia ser como as meninas da minha turma, que eu poderia ser bonita também.
Mas junto com a ilusão e a esperança veio o grande 'problema'. Uma raiz que
nunca ficava lisa e os retoques sucessivos, cada vez num tempo menor, a fim de
tentar manter um aspecto 'natural' do cabelo. Assim como
muitas, foram muitos dias nos salões, aguentando enquanto a química agia no meu
couro cabelo, ardendo, coçando e muitas vezes, chegando a abrir feridas. Eu não
entendia o porquê daquilo e muito menos porque eu sempre ouvia o mesmo 'mulher
[negra], pra ficar bonita, tem que sofrer'. Eu queria ser como todas as meninas
brancas que eu conhecia, apesar disso, por mais que eu tentasse, eu não
conseguia. Meu
questionamento enquanto mulher preta começou quando eu tinha por volta de 15
anos, estava no Ensino Médio e comecei a estudar em uma escola pública Federal.
Ainda assim, eu não me sentia representada naquele espaço, no entanto, já me
perguntava sobre todas essas questões. Graças à internet e ao amplo acesso às
informações que nós temos hoje em dia, conheci grupos na internet, como o
Meninas Black Power, onde muitas meninas se encontravam na mesma situação que
eu e só então fui capaz de compreender muitas questões, principalmente o
racismo e o sexismo. Em 2013, conheci
a transição capilar (processo onde você deixa seu cabelo crescer naturalmente
para tirar a parte com química dele). Eu não conhecia a textura do meu próprio
cabelo, não sabia como cuidar dele e não imaginava como ele ficaria natural.
Por muito tempo, acreditei que não seria possível ele voltar ao normal. Foi um
processo muito difícil, pois não tive apoio nem da minha própria família. Me
falavam sempre o quão 'duro' meu cabelo ia ficar, que ele ficaria feio, que eu
não ia aguentar e me arrependeria. Quatro meses depois, cortei meu cabelo com
apenas três dedos de raiz e durante algum tempo eu o deixei crescer natural, mas
com tantas críticas, acabei ficando com a autoestima muito sensibilizada e voltando a
fazer progressiva no cabelo, só para 'soltar os cachos'. Não deu certo. Depois
de algum tempo, meu cabelo estava completamente disforme de novo. Durante um ano,
conheci muitas amigas que me deram força para voltar à transição e assumir meu
cabelo. Comecei a colocar esse ato enquanto político, acima de estético. Não
era mais apenas uma questão de ficar livre da química, e sim um ato de
resistência, de amor à mim mesma, a minha cor e aos meus traços. Finalmente me
entendi como mulher negra e só assim a transição foi possível. Dessa vez foi
diferente. Não era mais algo realizado por influência externa e sim uma
necessidade interna. Mais uma vez, cortei meu cabelo. Ouvi, novamente, muitas
críticas mas tive o apoio necessário para continuar. Atualmente faz
cerca de um ano que mantenho meu cabelo natural. Acima de tudo, fico muito
feliz por sido considerada um exemplo e ter conseguido apoiar amigas que
passaram pelo mesmo processo. No lugar onde eu trabalhava, muitas meninas hoje
já passaram pela transição, bem como na minha família também. É sempre importante
ter essa representatividade, para que possamos entender onde estamos, quem
somos e saber que podemos e devemos ocupar
todos os espaços."