"FRUITVALE STATION" E O QUE SEI DA VIDA

por Élida Aquino
Manifestações em Ferguson, EUA | Foto Scott Olson/Getty Images
      30.000 homicídios por ano, 2.500 por mês, 82 por dia, 7 a cada duas horas e 77% dos mortos são negros: números relacionados à mortalidade da juventude no Brasil, hoje divulgados pela campanha #JovemNegroVivo, promovida pela Anistia Internacional (saibam mais aqui). Em meio aos índices alarmantes e o apelo à "consciência negra" que deve extrapolar datas, assisti a um filme que me movimentou. Não bastasse saber que eu e jovens como eu somos alvo do Estado e morremos todo dia, estou ainda mais ligada à questão. Não são poucos os homens jovens e negros da minha família que morreram brutalmente. Quer seja pela mão da polícia ou de outros tipos de criminosos, já vi sangue do meu sangue sobre chão. Não é fácil lembrar, mas é menos fácil ainda acomodar. 
       Assisti "Fruitvale Station: A Última Parada" com minha irmã e quase não aguentamos chegar ao fim. Começamos por causa da linda Ariana Neal, que interpreta Tatiana, filha de Oscar (Michael B. Jordan). Depois de começar, vimos que era real. Oscar Grant III, um jovem homem negro e cidadão estadunidense, foi assassinado aos 22, na estação BART. Morreu em 1 de Janeiro de 2009 e poucos devem lembrar deste caso. O filme fala sobre a passagem do jovem pelo presídio, a luta para retornar à vida civil honestamente; mas, sobretudo, mostra com intensidade as cenas que se repetem no cotidiano de maneira tão ou mais forte. Oscar e seus amigos, todos negros, começam "enquadrados" por policiais (nada mais comum e recorrente, não?) em plena madrugada de Ano Novo, depois de um desentendimento com homens brancos e racistas no metrô. O fim da história são rapazes negros agredidos, morte, desespero.



      Não estou aqui pra indicar que assistam. O filme é ótimo, mas vim falar da dor capaz de causar incômodo e reação. Nossa realidade tem que ser mesmo a de andar com as mãos erguidas dizendo "não atire!", como está acontecendo com os jovens de Ferguson? Devemos mesmo nos sentir ameaçados ou ameaçadores e calcular nossos horários ou como estamos vestidos para circular por aí? O assunto aqui é o direito de viver livres, o papel de órgãos que devem manter a segurança de todos, inclusive a nossa. Estamos falando sobre quem mata ou morre e o que achamos de quem mata ou morre, questionando a cultura do estereótipo que sugere que um rapaz pigmentado descendo a favela pela manhã é, em primeira opção, um meliante. 
     Já pararam pra pensar o tamanho da nossa responsabilidade enquanto as mortes acontecem? De que lado estamos? Truculência e abuso fazem parte do dever? Aqui, nos Estados Unidos e em tantos outros lugares, não nos faltam exemplos. Foi o Mike Brown, meu primo Nino, meu tio, o cara aqui do bairro, talvez alguém querido de vocês que me leem agora. Espero que eles tornem nossos olhos mais abertos, nossos corações mais sensíveis. Há muito o que se pensar e fazer. Não podemos nos contentar com a liberdade limitada que 13 de Maio finge trazer. Faço esse apelo por mim e por tantos que, como eu, não suportariam passar, sem assistência e justiça, por uma poça de sangue igual ao próprio sangue outra vez. 
Assinar o manifesto é um jeito de começar mudanças. Participem!

This entry was posted on 21/11/2014 and is filed under ,,,,,,,. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

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